Segundo filho: um amor que também se constrói

E, de repente, você se vê grávida da segunda criança. Às vezes, nem tão de repente assim, depois de tanto planejamento e algumas tentativas. Então, sua alma é invadida por uma angústia, um medo dilacerante de não amar aquele novo ser. Esse sentimento dói, corrói, tira o sono.

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Eu sei disso não só pela minha experiência na prática clínica, aqui no consultório, mas porque também vivi todas essas inquietações com a chegada de Cloe, depois de tanto tempo sendo apenas a mãe do Tito. Lembro como se fosse hoje: Quando fui apresentada para Cloe, só consegui olhar e registrar uma marquinha na testa dela, que é o que identificava como minha filha. Eu estava ali, imóvel, com os braços abertos, sem poder tocá-la (sim, eu fiz uma cesárea super necessária mas nada "humanizada"). Por sorte, consegui enxergá-la, pois lembraram de colocar em mim os meus óculos. A única coisa que consegui registrar, além da marquinha, foi o seu cheiro.

Passadas as horas de recuperação, já no quarto, trouxeram a minha menina. Nosso segundo encontro foi marcado por uma sensação de estranhamento muito peculiar. Havia uma sensação de que eu gostava daquele ser pequenino, mas, ainda assim, era tudo estranho. Enquanto Tito olhava para a irmã e dizia que ela era linda e que era sua bonequinha, eu olhava para ela e sentia que nosso amor seria uma construção.

Você já parou para pensar o que é a paixão e o que é o amor? Existe uma tendência de romantizarmos a chegada do bebê e nos fixamos na ideia de que a mãe vai se apaixonar pela criança imediata e loucamente. É aquela coisa louca de acreditar no apaixonamento pela segunda criança, de que ela virá arrebentando tudo aquilo que você imaginava e sentia. No meio dessa expectativa e alvoroço, ainda há o medo de que o novo bebê coloque em ameaça o filho mais velho. E para deixar tudo ainda mais complicado nos cobramos amar igualmente a todos os filhos.

Desculpe se vou te decepcionar, mas preciso dizer a verdade: é impossível amar da mesma forma a todos os filhos. E isso não quer dizer que amamos mais a um ou a outro, a realidade é que amamos diferente, afinal, são pessoas diferentes, que nos cativam de forma diferente. Vínculo é algo que se constrói e as crianças têm um papel ativo nessa situação.

Quando você se imaginar neste lugar de apaixonamento pela criança, nessa imersão, nesse mergulho afetivo, sempre balizado apenas por sentimentos positivos, pare por um momento, respire e tente focar na realidade. O vínculo e o amor são construídos no dia-a-dia, nas situações maravilhosas e naquelas mais difíceis também. Você não amará menos se admitir que não aguenta mais ouvir o bebê chorar, que a amamentação, embora tenha sido uma escolha, está sofrida por causa do seio machucado. Isso não é falta de amor, isso é vida. E a vida se constrói nas suas fases – e faces – luminosas e escuras.

O amor que se constrói pelo filho abarca as frustrações inerentes, mas para que isso seja possível é preciso ter coragem de assumi-las. Amar é querer estar junto, é insistir, persistir nos momentos sóbrios, assim como se deslumbrar nos momentos de encantamento. Amar é superar as falhas.

Na outra ponta, fica o apaixonamento. Aquele êxtase promovido pela ocitocina e uma série de idealizações e fantasias, tanto pessoais quanto sociais. A dor do apaixonamento surge quando a mulher se vê num lugar em que esse êxtase não existe. É quando ela se culpa por não conseguir conversar com a barriga, quando ela pensou que talvez não quisesse esse bebê, quando pensou muito mais no dinheiro do que propriamente no vínculo que ia desenvolver com essa criança. Veja, ao se sentirem culpadas por tudo isso, as mulheres deixam de perceber que esse é o início de uma construção de vínculo, que não vai depender só dela. A construção de vínculo envolve a criança, o pai, a família, o contexto. Nem todo mundo vai sentir uma enxurrada de amor ao descobrir a gravidez. E tudo bem.

Quando há diante de mim uma mulher dizendo que chegará uma criança mais nova em sua vida e que ela não sabe se é capaz de amar, a primeira coisa que eu digo é: respire fundo. Eu acho que eu sempre digo isso para as minhas clientes, então vou dizer para você que me lê também: respira fundo e veja como você se vincula às pessoas e espere para conhecer esse novo ser, cuide de si, cuide dessa gravidez e vai, aos poucos, se vinculando.

Muitas vezes, esse encontro vai acontecer só aqui fora, depois de alguns dias, depois de algumas semanas, porque é o momento em que engata a relação. Todo mundo está se adaptando, a rotina também. Nesse momento você vai perceber que o amor não se dividiu, não se perdeu, ele multiplicou. A cada filho você irá amar de uma forma intensa, profunda, porém, diferente. Lembre-se sempre: amamos diferente porque temos sujeitos igualmente diferentes. 

A oportunidade de ter um segundo filho é realmente transformadora. Ter um filho muda a nossa vida, mas a chegada do segundo é uma oportunidade incrível mesmo. Muda tudo outra vez. Quando engravidei do Tito foi uma mudança, depois outra aconteceu quando me tornei mãe do Tito e quando a Cloe chegou parece que ela pegou tudo o que eu sabia de mim e deu uma nova chacoalhada. E assim vai ser para sempre, a cada novo filho. Para mim e para você.