Quem tem que ressignificar o quê?

Recentemente, uma amiga me confidenciou estar muito desconfortável com uma situação que aconteceu com ela. A verdade, mesmo, é que ela estava muito brava. Grávida pela segunda vez,  com 33 semanas, ela se deparou com a notícia de que talvez não fosse mais possível ter um parto como estava planejando devido algumas questões de saúde e mudança da realidade financeira da família. Ao relatar sua história em um grupo de gestantes, algumas pessoas começaram a sugerir que ela "ressignificasse" seu primeiro parto e a enxurrada de conselhos nesse sentido se fez. 

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A braveza de minha amiga é justificada. Embora sua primeira filha tenha nascido prematura e dias difíceis tenham existido, não há nenhum resquício de trauma nesse episódio. Toda elaboração desses acontecimentos já foi feita, o que havia de ser ressignificado já foi, hoje, existe a lembrança do que foi vivido, sem traumas. Mas as pessoas insistiam em não ouvir e queriam determinar que lá no fundinho um trauma havia de existir e pior, estava determinando o desfecho do parto que viria pela frente.

O relato – e indignação – da minha amiga não me é estranho, infelizmente. No meu trabalho, tanto de psicóloga quanto de doula, já me deparei inúmeras vezes com pessoas que não conseguem esperar o tempo do outro, ou o modo com que o outro pensa. Então, não demora que ela diga que o outro tem que ser – ou fazer – aquilo que ela acredita que seja o melhor, justamente, para o outro. Não é uma loucura? Quem somos nós para acharmos que sabemos mais do outro que ele próprio?

Abrir a escuta e dar o lugar de fala para a mulher e entender que não somos os senhores da razão é fundamental. A "ressignificação" de um parto, ou de qualquer outro evento da vida, é algo extremamente pessoal e não há modelos ou “padrões ouro” a serem seguidos. Pelo contrário, quando queremos apontar o caminho, dizer qual trilha é a mais correta a ser seguida para se chegar a essa ressignificação estamos, na verdade, apenas colocando a pessoa em outra caixinha. E eu realmente não acredito nessas propostas de tratamento e nem de vida. A ressignificação lida com a questão da subjetividade e a pessoa faz disso aquilo que ela quiser. É fundamental respeitar o limite de cada um, a ideia de cada um e a formatação que cada um dá à própria vida. Quem somos nós para não dar credibilidade para o que o outro afirma sobre sua própria vivência?

Além disso, cutucar feridas sem saber se a pessoa está pronta ou não para lidar com aquilo é de uma insensibilidade, uma falta de escuta tremenda. Pessoas arrotando certezas e convicções não é o caminho. Para mim, a humanização do parto e nascimento é, acima de tudo, informação. E mais: informação solicitada. Porque quando eu chego para uma gestante ou para uma mulher ou para uma puérpera e começo a forçar uma barra de um momento que ela não está pedindo, que ela não está querendo, não está preparada, isso também é uma violência. Impor um padrão seu para o outro é uma violência. Portanto, o que é bom para mim não é, necessariamente, bom para o outro. O que é tão óbvio para mim, nem sempre é para o outro. O que é uma verdade para mim, pode não ser para o outro. O que podemos fazer é apresentar informações, oferecer a resposta que essa mulher está pedindo – isso se tivermos a resposta, porque também é importante admitir quando não a temos, e tudo bem – e podemos construir com ela o que foi que aconteceu, o que às vezes acontece e quais são as alternativas. Porém, o que a pessoa vai fazer com isso só diz respeito a ela. Respeite.