50 tons de parto

Perdoem o trocadilho, mas foi impossível não o usar, afinal, o tema que quero trazer para este espaço, hoje, não é apenas preto ou branco – como muitos acreditam –, pelo contrário, é um assunto cheio de tons, nuances e contextos que devem ser pensados, analisados, sentidos e vividos – e jamais ignorados.

Parto-doula-Raquel Jandozza

Vamos falar sobre parir ou não parir?

Tenho percebido que, para algumas mulheres, o desfecho de uma cesárea acaba surgindo como um alívio – até mesmo como resultado de um desejo não expresso – diante do medo de entrar em trabalho de parto e tudo o que o processo do nascimento de um bebê, de forma natural, envolve. Isso acontece porque as travas emocionais existem e não podemos ignorá-las ou fingir que não existem. Muitas vezes, essas mulheres idealizam o parto e fazem toda a preparação para ele, porque há a necessidade de sentir que fez o que pode: se informou, se preparou, fez uma boa escolha para o filho (no sentido de respeitar o tempo e espaço dele, a maturação dele para entrar em trabalho de parto), mas, por algum motivo, a necessidade da cesárea as acalanta porque aquele medo silenciado cria uma trava emocional que as impede de parir.

No entanto, também existe a outra ponta dessa história, em que mulheres desejam profundamente seus partos, se preparam, mas o corpo biológico (essa dimensão jamais pode ser esquecida) se sobrepõe ao desejo e, por vezes, frustra essa expectativa quando a cesárea é necessária. É nessa hora que o corpo nos mostra que não estamos no controle de tudo. Para essas mulheres, o pesar em não parir é muito profundo. Algumas acreditam que seus corpos as sabotaram. Outras sentem de que o filho não a aceitou como mãe e, portanto, não quis sair de forma natural para encontrá-la. São diversas as fantasias e temores que rodeiam uma situação como essa.

O meu trabalho, enquanto psicóloga e doula, é o de informar às mulheres tudo o que pode acontecer. Para aquelas que idealizam muito ou para as que estão com medo. Todas precisam de informação de qualidade e entender que a gravidez é para a chegada de um filho e não para a chegada de um parto. Digo isso porque muitas mulheres desejam tanto a experiência de parto que desviam sua atenção daquilo que é fundamental: a chegada desse filho, independente da via de nascimento.

Não há dúvida de que o parto é uma experiência transformadora, fortalecedora para a maternidade. Porém, quando o parto idealizado não acontece e em seu lugar entra o parto necessário e adequado, é importante que a mulher tenha as informações necessárias para que este parto seja compreendido do lugar que ele é: a via de chegada para este bebê. Apenas isso. A via de parto não ditará a mãe que você será, muito menos a maternidade que você exercerá. Ele não define aquela mulher, aquela mãe.

O meu trabalho, enquanto psicóloga, é ajudar essa mulher a entender qual é a dinâmica de personalidade dela e o que também estava depositado na expectativa desse parto: quais dores ela queria curar, qual vivência gostaria de ter ter, que abertura é essa que ela sonhava e idealizava para si e que iria e constituir nesse parto. Minha missão é abrir um outro campo de compreensão e olhar para essa vivência. Às vezes, esse é um processo doloroso e que dá trabalho, afinal, estamos lidando com uma frustração à flor da pele ou uma cobrança muito grande. É preciso ir até as camadas mais profundas daquele funcionamento psíquico para desvendar quem é essa mulher que está ali, na nossa frente, dizendo o quão importante era aquele parto para ela ou o quão necessário ele era para a elaboração de algo ou ainda que era uma imposição. Sim, você leu isso mesmo: imposição do parto normal. Às vezes, o círculo a que esta mulher pertence diz a ela que esse é o melhor caminho. A mulher, então, aceita toda ideia, sugestão, compreende a importância, mas, por vezes, se vê escrava disso, se vê ali, impotente, diante de demandas alheias que não respeitam as diferentes nuances que um parto envolve e que contemplam aspectos extremamente individuais de cada pessoa, como questões emocionais e biológicas.

Um parto – seja ele qual for – jamais deve ser imposto à dupla mãe-bebê, que precisam se alinhar, dentro de um tempo e espaço, dentro de um contexto e situação física e emocional para fazer surgir uma nova vida no campo externo.

O que eu falo para as mulheres em que tenho a oportunidade de cruzar a história de vida, também quero dizer para você: teu filho está vivo aqui fora, mas ele sempre esteve vivo dentro de você, então, todas as vivências que ele tem dentro são tão importantes quanto as que tem aqui fora. O parto é só um meio de caminho. Tentamos fazer com que esse meio de caminho possua uma chegada suave, com muito respeito, que é o que ele vai encontrar aqui fora, no seu colo.

Desconstruir a idealização do parto e a pressão que se coloca em cima desse evento é fundamental para uma maternagem sadia. Pense nisso!